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Reforma

 Como você consegue viver assim? Aliás, como você deixou chegar nesse ponto? Começou com um cheirinho de mofo naquele cômodo. Então eu abri as janelas, deixei a corrente de ar passar. Não senti mais o cheiro, então segui minha vida. Um tempo depois, choveu por vários dias. Até perdi as contas de quantos. Era uma chuva leve, mas constante, chata. Veja, eu não tenho problema com a chuva, às vezes é até necessária. Mas ela não deixava entrar ar em casa, minhas roupas deixaram de secar e cheiravam a cachorro molhado. Apareceram goteiras por toda parte. Balde, panela, copo, usei de tudo para aparar a água. Reservava e usava parte dessa água em outras coisas na casa, então não foi de todo ruim.  Quando finalmente parou de chover, chamei ajuda para fazer os reparos necessários, me preparando para uma próxima temporada de chuvas que poderia vir a qualquer momento. Me disseram que seria rápido, e que não precisaria mudar. Mas no meio dos reparos, problemas estruturais foram escancarados e eu nã
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Magia

Eu não sou de acreditar totalmente em superstições. Temos aquelas nossas simpatias de sempre, nada que eu leve muito a sério. Mas naquele dia, eu sabia que alguma coisa iria acontecer.  Mesmo sem estar com energia, eu saí de casa. E sair não foi o suficiente. Eu tinha que ser vista! Num descuido, uma distração boba, bato numa relíquia: o espelho do chuveiro. Na hora, quase soltei um grito. Não, não pode ser. Uma das minhas poucas crenças acontecendo bem ali, e por uma bobagem!  Fragmentado na minha frente, mal consegui tirar o artefato do chão. Algo se quebrou. Ainda assim, insisti em sair. Receosa, e atenta.  Algo se quebrou. Eu não esperava que a noite fosse dar no que deu. Eu tinha certeza que seria uma balada como todas as outras: There's a club that you'd like to go, there could be somebody that really loves you. So you go and you stand on your own, and you leave on your own, and you go home, and you cry, and you want to die. Mas algo se quebrou! Qualquer que fosse a image

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Em todos os lugares que olho, eles estão ali. Passando pela esquina, passam por mim, como se eu não existisse. Perco o ar. Retomo a caminhada, mesmo sabendo que, se olhar por cima do meu ombro, verei ao menos uns três.  Não importa o rumo que eu tome, eles já estiveram (e estão) lá. Acho que estão ligados a mim, sugando a minha energia e tentando impedir que eu siga em frente. Uns eu vejo com mais frequência, e pouco me importam. Vêm e vão como suspiros. Mas existem aqueles que me pegam de solavanco, me levando ao chão se eu não estiver firmada ao chão. Me escoro, luto contra a tempestade que se forma na minha frente. Não posso dizer que é um caminho solitário, afinal, sempre tenho a sua companhia. "Antes so do que mal acompanhado", me dizem. Será? Balanço a cabeça para afastar esses pensamentos. É o que esperam de mim, que eu fique só. Assim eles vencem. Não deixo. Todos os dias acordo e retomo meu caminho. Eu serei mais forte. 30-set-23

Ivete, por Polar

Você é uma parte muito interessante de nós. Uma parte que ficou durante anos adormecida, esperando o seu momento de entrar na avenida. E como num desfile de escola de samba, você canta, dança e passa contando histórias e cativando corações.  É daqueles seres que, apesar de ser um pavão, consegue ser discreta e elegante. Você chega em qualquer ambiente e se sente em casa; não por folga ou desleixo, mas porque você simplesmente encaixa.  Você sobe o morro para ver o seu bandidinho mau-caráter, o seu bad boy ; entrega seu corpo mais do que qualquer prostituta, vadia, ninfomaníaca jamais experimentou. Você gosta, goza. Como se não bastasse a entrega física, você ainda se presta a bancar os pequenos luxos que seu vagabundo de estimação quer. Mesmo sem ter, dá de bom grado. Aprendeu muito com esse moleque vadio. Ele é o rap que você escuta. Mas, ao mesmo tempo, você desce as ruas da cidade. Transita pela boemia burguesa de bares, viagens e roupas de marca. Marca um happy hour  com os amigos

Diário #1

Volta e meia você cruza com meus pensamentos. Momentos bons, de risadas, mas também conversas sérias. Eu quase disse dolorosas, mas não, não foram assim.  Agora mesmo lembrei de uma das nossas conversas. Tive um diálogo imaginário onde você dizia que eu sumi. Ri sozinha desse diálogo pois ele nunca existiria. A) porque você me disse que nunca sente a falta de ninguém - o que eu não acredito, e é o que me leva ao segundo ponto - e B) você nunca assumiria que sentiu falta de alguém. Foi a segunda vez que você cruzou meus pensamentos hoje. Pensei hoje mais cedo no quão idiota e/ou quebrado alguém tem que ser pra ter a oportunidade de ter uma mulher como eu como companheira - aderindo a TODOS os seus requisitos e requisições - e fazer de tudo pra que ela vá embora.  No final eu percebo que o que senti por você foi amor sim. Foi. Hoje esse sentimento foi substituído por compaixão. Ou talvez pena. É, tenho pena de você. Mas assim como o outro inominável, algumas pessoas simplesmente não quer

Poetas, boêmios

 Já tive apenas poetas, e apenas boêmios, mas em você encontrei um poeta boêmio.  Sempre busquei pessoas românticas. Não no sentido daqueles que fazem grandes demonstrações de afeto. Encontrei na simplicidade das palavras algo que brilhava aos meus olhos. O que não percebi é que esse brilho ofuscava sem aquecer. Era como querer ler um romance, mas se ver munida apenas de um dicionário: palavras e palavras, com muitos significados, mas vazias de sentimento. O poeta mais sugava o meu sopro de musa do que me fazia oferendas e alimento. E assim me esvaziei. Então encontrei o boêmio. A sua vivacidade me preencheu e aqueceu de uma forma como eu nunca havia sentido antes. Me enchia de cultura, curiosidades e novas experiências. Mas como qualquer recipiente, um dia me enchi. O calor que me preenchia já não trazia conforto, mas eram brasas queimando as paredes do meu interior. O boêmio apenas enchia o copo, com o mesmo líquido todos os dias, e eu já não conseguia mais tomar. As brasas foram se

Tempo

 - Amor, vamos nos casar? - diz ela casualmente levantando os olhos do livro que lia. Você ri, mas logo percebe que ela não estava brincando.  - Quando? - tentando manter a compostura, sem demonstrar o leve pânico que sentia. - Hoje! Que tal? - só pode estar brincando, você pensou. - É, hoje! Já estamos há tanto tempo juntos… Quero mostrar para todos que é sério quando falamos na velhice juntos. Imagina, daqui uns 30, 40 anos, a gente assim, desse jeitinho. Minhas pernas no seu colo, lendo um livro, você ainda teimando em continuar estudando e dando aulas mesmo não precisando. - Pretinha, você não pode estar falando sério. E todos os nossos amigos e família de outros estados, você não iria querer eles presentes? - Preto… - ela se ajeita para ficar com o rosto perto do seu - só me importa você. - Olha, amor… você sabe que eu quero muito. Mas nem no mesmo estado moramos! Como faríamos isso?  - Não importa! A gente casa, mesmo morando separados. E assim que der, a gente acha nosso cantinh