Pular para o conteúdo principal

Poetas, boêmios

 Já tive apenas poetas, e apenas boêmios, mas em você encontrei um poeta boêmio. 

Sempre busquei pessoas românticas. Não no sentido daqueles que fazem grandes demonstrações de afeto. Encontrei na simplicidade das palavras algo que brilhava aos meus olhos. O que não percebi é que esse brilho ofuscava sem aquecer. Era como querer ler um romance, mas se ver munida apenas de um dicionário: palavras e palavras, com muitos significados, mas vazias de sentimento. O poeta mais sugava o meu sopro de musa do que me fazia oferendas e alimento. E assim me esvaziei.

Então encontrei o boêmio. A sua vivacidade me preencheu e aqueceu de uma forma como eu nunca havia sentido antes. Me enchia de cultura, curiosidades e novas experiências. Mas como qualquer recipiente, um dia me enchi. O calor que me preenchia já não trazia conforto, mas eram brasas queimando as paredes do meu interior. O boêmio apenas enchia o copo, com o mesmo líquido todos os dias, e eu já não conseguia mais tomar. As brasas foram se acendendo em fogo, e as pequenas, mas constantes explosões, me fizeram quebrar.

Eis que surge um novo ser. Não consegui entender de primeira quem era, mas possuía características de boêmio. Me assustei, eu já havia caído nessa chama antes e não queria arriscar. Mas como a arte milenar Kintsugi, reparou alguns dos meus pedaços caídos de cerâmica com ouro. Me deixei pegar nas mãos do artesão, confiei. Quando achei que já tinha sacado quem era, outra faceta se revelou no meu colo: o poeta gentil e apaixonado. Enquanto o boêmio queria festa e folia, o poeta queria um lar. Me fez musa novamente e dessa vez eu tinha fôlego para sussurrar ao pé do ouvido as mais belas canções. Já não me sentia vazia, mas temia esvaziar. E como quem sabe exatamente o nível de um recipiente pelo som ao tocar, ora boêmio me preenchia, e, no momento certo, o poeta sabia esvaziar. É como respirar.

Comentários