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Reforma

 Como você consegue viver assim? Aliás, como você deixou chegar nesse ponto?

Começou com um cheirinho de mofo naquele cômodo. Então eu abri as janelas, deixei a corrente de ar passar. Não senti mais o cheiro, então segui minha vida.

Um tempo depois, choveu por vários dias. Até perdi as contas de quantos. Era uma chuva leve, mas constante, chata. Veja, eu não tenho problema com a chuva, às vezes é até necessária. Mas ela não deixava entrar ar em casa, minhas roupas deixaram de secar e cheiravam a cachorro molhado. Apareceram goteiras por toda parte. Balde, panela, copo, usei de tudo para aparar a água. Reservava e usava parte dessa água em outras coisas na casa, então não foi de todo ruim. 

Quando finalmente parou de chover, chamei ajuda para fazer os reparos necessários, me preparando para uma próxima temporada de chuvas que poderia vir a qualquer momento. Me disseram que seria rápido, e que não precisaria mudar. Mas no meio dos reparos, problemas estruturais foram escancarados e eu não estava preparada pra isso. E nem os pedreiros. Foram para outros projetos e deixaram tudo exposto. Fui dando meus pulos, me virando como dava. A casa estava toda esburacada, reparei o que deu. 

Enquanto reparava o dano deixado pelos pedreiros, me vi numa tempestade. Minhas janelas já não fechavam, tamanha era a força do vento que soprava. E parecia que vinha de todas as direções! Baldes e panelas já não me ajudavam a conter o mundaréu que caía aqui dentro. Cada vez mais a água e a sujeira invadia minha morada, e eu fui sendo empurrada para o único canto da casa que ainda estava inteiro. 

O vendaval passou. Os raios e trovões deram uma trégua. Mas estava tudo arruinado. Minha ora linda casa estava em destroços. Ainda hoje estou tentando salvar algumas coisas que não se perderam com o temporal. Muitas pessoas têm me ajudado nesse momento, me doando roupas, alimento e amparo.

Minha casa não precisa mais de uma reforma, pois já não existe. E eu, assim como o navio de Teseu, ainda sou eu? 

Se não eu, quem sou?

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