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[Textos Semanais] Olhares

Todos os dias ele me olhava. Com aquele olhar que mesmo depois de anos juntos eu nunca soube direito o que eles queriam dizer. Aquele que ele já me fitou durante horas enquanto eu estava concentrada em algo, aquele que ele lança em mim todas as vezes que estou falando sobre algo que me estressa.

Às vezes o olhar era diferente. Como se eu fosse a melhor mulher do mundo apenas por existir. Nunca entendi esse. Nem o olhar muito menos o sentimento. Como posso ser a melhor mulher do mundo com tantas outras por ai? Não pode ser verdade. Mas gosto de ouvir mesmo assim.

Outras vezes quem o olha sou eu. Sou capaz de encara-lo por horas, com os mais diferentes tipos de olhares. Alguns que às vezes nem percebo ou sequer entendo. Como aqueles que faço quando ele está junto dos amigos dele, rindo, e eu mais afastada, só olhando. E me sentindo bem. Talvez feliz pela felicidade dele, de fazer parte daquilo.

Ah como gosto quando ele me lança um olhar sedutor. Sou incapaz de resistir. Ainda mais quando vem seguido de uma piscadela. Me derreto na certa. Sou capaz de fazer o que quer que ele me peça. É o charme em pessoa.

Ele me pergunta no que é que estou pensando e na verdade nem eu sei. Sua pergunta me trouxe de volta à Terra, e não soube responde-la. Lembro vagamente de estar passeando em algum lugar entre meu passado e os planos para o futuro, todos misturados, como se já tivessem acontecido.

“Você estava com o olhar perdido” ele me diz “como se você não estivesse mais aqui”. E eu provavelmente não estivesse por la. Costumo viajar bastante dentro da minha cabeça, me perdendo em mundos e lugares que sonho. Nesses (nem sempre) paraísos encontro muita gente, pessoas que passaram pela minha vida e pessoas que nunca vi. Todas elas me ensinam algo.

Numa dessas viagens a outro mundo conheci uma senhora que muito me agradou. Andava toda curvada em direção a uma fonte, e sentou-se a beira dele. Olhou pra mim ternamente, como se me chamando para conversar. Sem pensar fui até ela e sentei-me também. Ela pegou a minha mão e disse:

- Muito bem, menina, você está indo muito bem.

Contou muitas histórias da vida dela, e algumas lembravam a mim mesma. Contou também do quanto foi difícil quando seus primeiros filhos nasceram, Gêmenos, quem poderia acreditar? Quando dei por mim, uma ideia me acometeu: sou eu mesma! E o mundo que eu visitava se dissipou com o pensamento. Voltei à Terra com um pequeno sorriso no canto da boca. Ele me perguntou onde estava. “Estava contigo, conosco na verdade” disse enquanto o abraçava “Ainda temos muitas trocas de olhares pela frente, meu bem, você nem consegue imaginar”

Mesmo sem entender muito, ele continuou comigo nos braços, sem dizer uma palavra, enquanto me olhava com uma expressão confusa, surpresa mas feliz.

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